SRA. HÉLÈNE MICHEL, Relato de espírito mediano após desencarne - Livro O Céu e o Inferno, Allan Kardec, 1865

 

Jovem de 25 anos, falecida subitamente no lar, sem sofrimentos, sem causa previamente conhecida. Rica e um tanto frívola, a leviandade de caráter predispunha-a mais para as futilidades da vida do que para as coisas sérias. Não obstante, possuía um coração bondoso e era dócil, afetuosa e caritativa.

Evocada três dias após a morte por pessoas conhecidas, exprimia-se assim:

“Não sei onde estou... que turbação me cerca! Chamaste-me, e eu vim. Não compreendo por que não estou em minha casa; lamentam a minha ausência quando presente estou, sem poder fazer-me reconhecida.
Meu corpo não mais me pertence, e no entanto eu lhe sinto a algidez...
Quero deixá-lo e mais a ele me prendo, sempre...
Sou como que duas personalidades...
Oh! quando chegarei a compreender o que comigo se passa?
É necessário que vá lá ainda... meu outro ‘eu’, que lhe sucederá na minha ausência?

Adeus.”

O sentimento da dualidade que não está ainda destruído por uma completa separação, é aqui evidente. Caráter volúvel, permitindo-lhe a posição e a fortuna a satisfação de todos os caprichos, deveria igualmente favorecer as tendências de leviandade.
Não admira, pois, tenha sido lento o seu desprendimento, a ponto de, três dias após a morte, sentir-se ainda ligada ao invólucro corporal.
Mas, como não possuísse vícios sérios e fosse de boa índole, essa situação nada tinha de penosa e não deveria prolongar-se por muito tempo.
Evocada novamente depois de alguns dias, as suas ideias estavam já muito modificadas.

Eis o que disse:

“Obrigada por haverdes orado por mim. Reconheço a bondade de Deus, que me subtraiu aos sofrimentos e apreensões consequentes ao desligamento do meu Espírito. À minha pobre mãe será dificílimo resignar-se; entretanto será confortada, e o que a seus olhos constitui sensível desgraça, era fatal e indispensável para que as coisas do Céu se lhe tornassem no que devem ser: tudo. Estarei ao seu lado até o fim da sua provação terrestre, ajudando-a a suportá-la.

“Não sou infeliz, porém, muito tenho ainda a fazer para aproximar-me da situação dos bem-aventurados. Pedirei a Deus me conceda voltar a essa Terra para reparação do
tempo que aí perdi nesta última existência.

A fé vos ampare, meus amigos; confiai na eficácia da prece, mormente quando partida do coração.
Deus é bom.

— P. Levastes muito tempo a reconhecer-vos?
— R. Compreendi a morte no mesmo dia que por mim orastes.

— P. Era doloroso o estado de perturbação?
— R. Não, eu não sofria, acreditava sonhar e aguardava o despertar. Minha vida não foi isenta de dores, mas todo ser encarnado nesse mundo deve sofrer. Resignando--me à vontade de Deus, a minha resignação foi por Ele levada em conta. Grata vos sou pelas preces que me auxiliaram no reconhecimento de mim mesma. Obrigada; voltarei sempre com prazer. Adeus.

Hélène.”