“OS QUATRO EVANGELHOS”

 

 
“OS QUATRO EVANGELHOS”
O Espiritismo, na sua condição de Cristianismo redivivo, não poderia deixar de receber os ataques das
forças contrárias ao esclarecimento e libertação do espírito humano. Embora pareça um paradoxo, o volume e a
intensidade dos ataques constituem um verdadeiro atestado da legitimidade do Consolador.
A primeira, e talvez a mais forte das investidas, foi a publicação da obra de J. B. Roustaing, conhecida,
em língua portuguesa como “Os Quatro Evangelhos”.
Na obra “Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho”, Roustaing é citado como pertencente à equipe
de Kardec. Há aqueles que contestam a autenticidade de tal afirmativa. Entretanto, sabe-se que todo
missionário que vem à Terra traz consigo uma equipe, constituída de Espíritos, trabalhadores de boa vontade,
mas sujeitos a falhas. Zamenhof veio à Terra com um grupo de Espíritos, para a implantação do Esperanto.
Dentro dessa equipe, houve um Espírito que falhou, traindo mesmo o grande Missionário, a ponto de ser
chamado Judas por alguns biógrafos exaltados. E Roustaing, embora tenha reencarnado com tarefa definida
junto à obra de Kardec, conforme relato de Humberto de Campos na obra “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do
Evangelho”, desejou produzir obra própria, tornando-se presa fácil de fascinação. Esse não foi o primeiro, nem
o último caso na Humanidade da falência de um Espírito pertencente a um grupo de trabalho. Judas, da equipe
de Jesus, falhou redondamente.
Esses quatro volumes constituem obra fantasiosa, repetitiva, que pretendeu dar nova versão à tese da
virgindade de Maria, através de uma pseudo-gravidez, que teria culminado no aparecimento de um bebê
fluídico, surgido de um parto fictício, de uma lactação aparente, de um desenvolvimento físico falso e de uma
desencarnação enganosa.
Entretanto, não é a tese do corpo fluídico o ponto mais grave da obra. Há afirmativas que contrariam
frontalmente as bases doutrinárias do Espiritismo. Vejamos algumas, dentre muitas:
Evolução do Espírito:
Com Kardec, aprende-se que o princípio inteligente percorre, durante milênios incontáveis, as trilhas da
evolução, antes de atingir o estágio de humanidade. Aprende-se que a consciência moral que caracteriza o ser
humano, libertando-o gradualmente do jugo dos instintos, desabrocha lentamente, revelando a perfeição
imanente no Ser:
607 a. Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores
da criação, não?
“Já não dissemos que tudo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses seres, cuja
totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco
a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho
preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma
transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter
consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus
atos. Assim, à fase da infância se segue à da adolescência, vindo depois a da juventude e da
madureza.”
Respondendo a Roustaing, os Espíritos falam numa transformação do instinto em inteligência – num
determinado momento – levada a efeito por agentes exteriores e não através do próprio processo evolutivo, o
que faz pensar numa espécie de “colação de grau” espiritual. Interessante notar, também, que o Espírito,
depois de todas as aquisições individuais retorne ao “todo universal”, onde, certamente, perderia a sua
individualidade. Além disso, como teria, um Espírito recém-saído da animalidade ter um perispírito tão sutil a
ponto de quase ser invisível aos Espíritos Superiores?
Como é que, chegado ao período de preparação para entrar na humanidade, na espiritualidade consciente, o
Espírito passa desse estado misto, que o separa do animal e o prepara para a vida espiritual, ao estado de
Espírito formado, isto é, de individualidade inteligente, livre e responsável?
“É nesse momento que se prepara a transformação do instinto em inteligência consciente.
Suficientemente desenvolvido no estado animal, o Espírito é, de certo modo, restituído ao todo
universal, mas em condições especiais é conduzido aos mundos ad hoc, às regiões preparativas,
pois que lhe cumpre achar o meio onde elaboram os princípios constitutivos do perispírito. (...) Aí
perde a consciência do seu ser, porquanto a influência da matéria tem que se anular no período da
estagnação, e cai num estado a que chamaremos, para que nos possais compreender, letargia.
Durante esse período, o perispírito, destinado a receber o princípio espiritual, se desenvolve, se
constitui ao derredor daquela centelha de verdadeira vida. Toma a princípio uma forma indistinta,
2
2
depois se aperfeiçoa gradualmente como o gérmen no seio materno e passa por todas as fases do
desenvolvimento. Quando o invólucro está pronto para contê-lo, o Espírito sai do torpor em que
jazia e solta o seu primeiro brado de admiração. Nesse ponto, o perispírito é completamente
fluídico, mesmo para nós. Tão pálida é a chama que ele encerra, a essência espiritual da vida, que
os nossos sentidos, embora sutilíssimos, dificilmente a distinguem.” : (1º vol., pág. 308):
Respondendo a Kardec, os Espíritos ensinam que o Espírito emerge lentamente da animalidade, das
necessidades materiais, através de sucessivas encarnações, que se constituem em oportunidades
absolutamente necessárias ao progresso do Espírito.
609. Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer:
do estado em que se achava no período a que se poderia chamar ante-humano?
“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante
algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo,
porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as
extremidades da cadeias dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam
com o desenvolvimento do livre-arbítrio. Os primeiros progressos só muito lentamente se
efetuam, porque não têm a secundá-los a vontade. Vão em progressão mais rápida à medida que o
Espírito adquire mais perfeita consciência de si mesmo.”
Os Espíritos, respondendo a Roustaing, afirmam que o Espírito só volta à vida material por castigo. Se só é
humanizado após a primeira falta, depreende-se que a população da Terra é constituída de Espíritos faltosos:
(...) para o Espírito formado, que já tem inteligência independente, consciência de suas faculdades, consciência
e liberdade dos seus atos, livre-arbítrio e que se encontra no estado de inocência e ignorância, a encarnação,
primeiro, em terras primitivas, depois, nos mundos inferiores e superiores, até que haja atingido a perfeição, é
uma necessidade e não um castigo?
“Não; a encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo, já o dissemos. E o castigo não
pode preceder a culpa.
O Espírito não é humanizado, também já o explicamos, antes que a primeira falta o tenha
sujeitado à encarnação humana. Só então ele é preparado, como igualmente já o mostramos, para
lhe sofrer as conseqüências.” (1º vol., pág. 317)
Em Kardec, aprende-se que o progresso do Espírito é irreversível, o que é racional, pois se não houvesse a
irreversibilidade do progresso espiritual não haveria segurança nem estabilidade no Universo.
118. Podem os Espíritos degenerar?
“Não; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição. Concluindo uma
prova, o Espírito fica com a ciência que daí lhe veio e não a esquece. Pode permanecer
estacionário, mas não retrograda.”
Roustaing admite possa um Espírito que já desempenhou funções elevadas no Mundo Espiritual ser tomado
pela inveja, pelo orgulho, etc., o que evidencia uma nova versão para a “queda dos anjos”, conforme a teologia
Católica Romana e, também, a Protestante.
“Já tendo grande poder sobre as regiões inferiores, cujo governo aprenderam a exercer, no
sentido de que, sempre sob as vistas dos Espíritos prepostos à missão de educá-los e sob a do
protetor especial do planeta de que se trate, aprendem a dirigir a revolução das estações, a
regular a fertilidade do solo, a guiar os encarnados, influenciando-os ocultamente, muitos
acreditam que só ao merecimento próprio devem o que podem e, desprezando todos os conselhos,
caem. É a queda pelo orgulho.
Outros, por nem sempre compreenderam a ação poderosa de Deus, não admitem haja uma
hierarquia espiritual e acusam de injustiça aquele que os criou, porquanto é Deus quem cria, não o
esqueçais. Esses os que caem por inveja.
Até o ateísmo – por mais impossível que pareça – até o ateísmo se manifesta naqueles pobres
cegos colocados no centro mesmo da luz. (...) Nesse caso, sobretudo nesse caso, mais severo é o
castigo. É um dos casos de primitiva encarnação humana. Preciso se torna que os culpados sintam,
no seu interesse, o peso da mão cuja existência não quiseram reconhecer.
Qualquer que seja a causa da queda, orgulho, inveja ou ateísmo, os que caem, tornando-se, por
isso, Espíritos de trevas, são precipitados nos tenebrosos lugares de encarnação humana,
conforme o grau de culpabilidade, nas condições impostas pela necessidade de expiar e
progredir.” (1º vol., pág. 311)
3
3
Kardec obtém dos Espíritos Superiores resposta que deixa muito claro que o Espírito que atingiu a humanização
não retorna jamais às formas animais, o que contraria frontalmente a teoria da Metempsicose:
612. Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um homem?
“Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.”
Em Roustaing, vê-se que, além de admitir a Metempsicose, afirmam seus interlocutores possa um Espírito
voltar à Terra, ou a outros mundos, animando corpos primitivíssimos, como larvas!
Haveis dito que os Espíritos destinados a ser humanizados, por terem errado muito gravemente, são lançados
em terras primitivas, virgens ainda do aparecimento do homem, do reino humano, mas preparadas e prontas
para essas encarnações e que aí encarnam em substâncias humanas, às quais não se pode dar propriamente o
nome de corpos, nas condições de macho e fêmea, aptos para a procriação e para a reprodução. Quais as
condições dessas substâncias humanas?
“São corpos ainda rudimentares. O homem aporta a essas terras no estado de esboço, como tudo
que se forma nas terras primitivas. O macho e a fêmea não são nem desenvolvidos, nem fortes,
nem inteligentes.
Mal se arrastando nos seus grosseiros invólucros, vivem, como os animais, do que encontram no
solo e lhes convenha.
As árvores e o terreno produzem abundantemente para a nutrição de cada espécie. Os animais
carnívoros não os caçam. A providência do Senhor vela pela conservação de todos. Seus únicos
instintos são os da alimentação e os da reprodução.
Não poderíamos compará-los melhor do que a criptógamos carnudos. Poderíeis formar idéia da
criação humana, estudando essas larvas informes que vegetam em certas plantas,
particularmente nos lírios.” (págs. 312 / 313)
Autenticidade da Encarnação de Jesus:
Kardec mostra Jesus como o modelo mais perfeito para a evolução humana, logo, o seu corpo deveria ter a
mesma constituição do corpo daqueles aos quais ele deveria servir de modelo, e seu testemunho basear-se na
verdade.
625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
“Jesus.”
624. Qual o caráter do verdadeiro profeta?
“O verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podeis reconhecê-lo pelas suas
palavras e pelos seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do mentiroso para a ensinar a
verdade.”
Roustaing mostra um Jesus que estaria fingindo estar encarnado, desde o seu nascimento até a sua morte, que
teria sido também um simulacro, uma verdadeira encenação teatral. Além do mais, ainda o chama de um Deus
milagrosamente encarnado! (1º vol., págs. 242 / 243)
“(...) um homem tal como vós quanto ao invólucro corporal e, ao mesmo tempo, quanto ao
Espírito, um Deus: portanto, um homem-Deus. (pág. 242)
Kardec afirma categoricamente que Jesus teve um corpo carnal e um corpo fluídico, como todos encarnados
temos: (A Gênese, cap. XV, itens 65 e 66)
“A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua
morte. No primeiro, desde a sua concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo que respeita à
sua mãe, como nas condições ordinárias da vida. Desde o seu nascimento até a sua morte, tudo,
em seus atos, na sua linguagem e nas diversas circunstâncias de sua vida, revela caracteres
inequívocos de corporeidade. (...) também forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu
materialmente, do que não se pode duvidar, é que ele tinha um corpo material de natureza
semelhante ao de toda gente.”
“Aos fatos materiais juntam-se fortíssimas considerações morais.
Se as condições de Jesus, durante sua vida, fossem as dos seres fluídicos, ele não teria
experimentado nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido, é tirar-lhe o
4
4
mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo de resignação. (...) e
fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem simplesmente
honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão de um ser tão superior. Numa palavra, ele teria
abusado da boa fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais as conseqüências lógicas
desse sistema, conseqüências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o
elevarem.
Jesus teve, pois, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos
fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.”
625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
“Jesus.”
Roustaing mostra um Jesus que estaria fingindo estar encarnado, que fingia alimentar-se, desde o seu
nascimento. (1º vol, págs. 243, 362 e 363)
“Quando Maria, sendo Jesus, na aparência, pequenino, lhe dava o seio – o leite era desviado pelos
Espíritos superiores que o cercavam, de um modo bem simples: em vez de ser sorvido pelo
menino, que dele não precisava, era restituído à massa do sangue por uma ação fluídica, que se
exercia sobre Maria, inconsciente dela.” (pág. 243)
“Os Espíritos superiores que o cercavam em número, para vós, incalculável, todos submissos à sua
vontade, seus dedicados auxiliares, faziam desaparecer os alimentos que lhe eram apresentados e
que não tinha para ele utilidade. Aqueles Espíritos os subtraiam da vista dos homens, de modo a
lhes causar completa ilusão, à medida que pareciam ser ingeridos por Jesus, cobrindo-os, para
esse fim, de fluidos que os tornavam invisíveis.”
Aparição de Moisés e Elias:
Inegavelmente, as afirmações mais claras a respeito da reencarnação, contidas no Novo Testamento,
encontram-se nos Evangelhos de Mateus (17: 10-13) e de Marcos (9: 11), onde se lê que Jesus dialogou com
Moisés e Elias no Tabor, diante dos discípulos Pedro, Tiago e João. Questionado quanto à identidade de Elias, o
Mestre afirma categoricamente que João Batista foi a reencarnação do Profeta Elias.
Em Roustaing, de maneira fantasiosa e completamente inverossímil, numa tentativa de desacreditar a
reencarnação, misturando fatos e fantasias, é declarado que Moisés, Elias e, conseqüentemente, João Batista
são o mesmo Espírito, e que ali, no Monte Tabor, um outro Espírito tomou a aparência de Moisés e conversou
com Jesus:
“O que, porém, Jesus naquela ocasião não podia nem devia dizer e que agora tem que ser dito é o
seguinte: Moisés – Elias – João Batista – são uma mesma e única entidade. Estamos incumbidos
de vos revelar isso, porque chegou o tempo em que se tem de “realizar” a “nova aliança”, em que
todos os homens (Judeus e Gentios) se têm que abrigar debaixo de uma só crença, da crença – em
um Deus, uno, único, indivisível, Criador incriado, eterno, único eterno: o Pai; em Jesus-Cristo,
vosso protetor, vosso governador, vosso mestre: o Filho; nos Espíritos do Senhor, Espíritos puros,
Espíritos superiores, bons Espíritos que, sob a direção do Cristo, trabalham pelo progresso do
vosso planeta e da sua humanidade: o Espírito Santo. (2º vol., págs 497 / 498)
A obra é volumosa, pesada, extremamente repetitiva, escrita em tom catedrático, pretensioso, que nos
remete diretamente a “O Livro dos Espíritos”, item 104, no magistral estudo que o Codificador faz a respeito da
“Escala Espírita”, quando se refere aos Espíritos pseudo-sábios. São Espíritos pertencentes a comunidades
espirituais que teimam em manter erros doutrinários relativamente à interpretação da Mensagem Cristã, para
as quais o Espiritismo representa grande perigo por esclarecer a Humanidade.
A respeito desses Espíritos, Emmanuel faz séria advertência, que serve também como alertamento,
diante dessa verdadeira “onda editorial” que está alimentando a vaidade de médiuns invigilantes e
enriquecendo editoras: “As próprias esferas mais próximas da Terra, que pela força das
circunstâncias se acercam mais das controvérsias dos homens que do sincero aprendizado dos
espíritos estudiosos e desprendidos do orbe, refletem as opiniões contraditórias da Humanidade, a
respeito do Salvador de todas as criaturas.” (“A Caminho da Luz,” cap. 12),
Felizmente, a onda de roustainguismo está passando. Mas como existem ainda muitos volumes dessa
obra em bibliotecas e livrarias, animamo-nos a fazer estas anotações.
José Passini
Juiz de Fora – MG
passinijose@yahoo.com.br