A ÚLTIMA CEIA e a Comunhão Pascal - Análise dos Evangelhos
Informam os evangelistas que os discípulos se acercaram de Jesus e perguntaram-lhe como e onde celebrariam a Páscoa, ao que, destacando Pedro e João, respondeu afetuoso:
" Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem trazendo um cântaro de água, segui-o até a casa em que ele entrar e dizei ao dono da casa: o Mestre manda perguntar-vos: onde é o aposento em que há de comer a Páscoa com os seus discípulos? Êle vos mostrará um espaçoso cenáculo mobiliado; ali fazei os preparativos".
Então, Ele e os doze, acompanhados pela Mãe Santíssima que se encontrava também em Jerusalém, deram início, ao cair da tarde, à cerimômia que transcorria entre sorrisos e expectativas de crescente felicidade.
Dever-se-ia partir o pão ázimo e embebê-lo em líquido, igualmente amargo antes de comê-lo.
Jesus, que estava acima dos aparatos e ritos humanos, para que se cumprissem os dispositivos legais e proféticos, permitia-se submeter a tais determinações, porque "não viera para destruir a lei"...
A alegria se generaliza enquanto a noite tomba sem maior preâmbulo, salpicada de cristais luminosos no alto, em engastes de prata.
O Mestre, que por várias vezes anunciara a paixão e acabara de dar as últimas instruções, retirou a indumentária larga e, cingindo-se de uma toalha, tomou de uma bacia com água, acercou-se dos companheiros e começou a lavar-lhes os pés.
A suprema humildade em excelsa lição de amor seria a expressão final da renúncia de si mesmo.
Não se davam conta os discípulos daquele ensinamento ímpar.
Chegando a Simão Pedro, perguntou-lhe este: "Senhor, tu a mim me lavas os pés?"
Respondeu-lhe Jesus: "O que eu faço, tu não o sabes agora, mas compreenderás mais tarde."
Disse-lhe Pedro: "Não me lavarás os pés jamais."
Respondeu-lhe Jesus: "Se eu não te lavar, não terás parte comigo."
O discípulo desperta e exclama com emoção incontida:
"Senhor, não somente me lave os pés, mas também as mãos, a cabeça."
As lágrimas brotam-lhe dos olhos e ele vibra de desconhecida felicidade, sem se aperceber dos momentos que logo advirão.
A inesquecível mensagem do ato singular e único ergue os companheiros ao clímax da ternura, e quando o Rabi volve à mesa, ei-los que, já esquecidos da magnitude do feito, se põe a disputar a primazia de quem dentre eles é o mais amado, por estar mais próximo, mais junto ao seu coração...
Perpassa a tristeza pela face afável do Mestre, que não pode conter as advertências. São as últimas instruções: a hora derradeira chega.
- "Qual é o maior: quem está à mesa ou quem serve? Mas eu estou entre vós como quem serve."
"O que dentre vós desejar ser o maior, faça-se o menor, o servo de todos, e aquele que manda seja o que serve."
Ele fizera isso há pouco: servira-os na condição de humilde servidor, dedicado e silencioso.
A ceia , todavia, prossegue. As lâmpadas de cor e luminosidade avermelhada contrastam com o azul escuro da noite coruscante, agora em exuberância de luar.
Recitam-se os Salmos, conforme a tradição.
- "Compreendeis o que eu vos tenho dito?" - Interroga-os com dúlcida e dorida voz.
"Vos me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem, poruqe eu o sou. Se eu, pois, sendo Senhor e Mestre vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros, porque vos dei o exemplo, a fim de que, como fiz, façais vós, também."
Sutis aragens perpassam o cenáculo. Invisível coral canta uma sublime melodia. A sala amplia as suas dimensões ao infinito. Num solo dantes jamais ouvido, Jesus eleva a voz e define:
"Em verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes."
Fez-se um demorado silêncio.
Novamente o Mestre exclama, adverte e sofre.
"Não falo de todos vós - explica triste - Eu conheço aqueles que escolhi, mas para que se cumpra a Escritura, aquele que come o meu pão levatou contra mim o calcanhar. Desde já vo-lo digo antes que suceda, para que, ao suceder, vós creais que eu sou".
A perplexidade se estampa em todos os semblantes. De que falará o Senhor? - Indagam, mudos, Quem dentre eles se atreveria? - Indagam, mudos ao cérebro e ao coração.
- "Em verdade, em verdade vos digo: um de vós há de me trair."
Alguém, tocado na sensibilidade e surpresa, pergunta? - "Como conhcê-lo?"
- "É aquele a quem eu der o pedaço de pão molhado."
A lenda e os hábitos ancestrais fizeram que, em Israel , se expressassem, à mesa, afeição ou desrespeito, consideração ou indiferença.
Nesse momento, o filho de Simão Iscariotes afoito, tomou a côdea de pão das mãos de Jesus.
- "O que fazes, faze-o depressa."- diz o Mestre.
Ninguém, todavia, percebe.
Os momentos máximos da vida não raro passam despercebidos.
O atormentado filho da agonia, sem poder compreender a grandeza e o alcance profundo do instante, foge...
A ceia continua, ritmicamente, os corações se entremostram, a psicosfera se modifica, o ar da noite balsamiza as expectativas.
O Senhor se dilata em carinho e, partindo o pão exclama:
- "Tomai, este é o meu corpo..."
Há um infinito de tempo, naquele rápido tempo. Ouve-se a melodia do silêncio, e a canção da saudade agora modula as primeiras notas nos ouvidos dos companheiros que, então, Lhe percebem a palidez da face, a tristeza infinita...
Tomando o cálice, rende graças, dá-o a todos e esclarece:
- "Este é o meu sangue, o sangue da aliança que é derramado por muitos... Nunca mais beberei do fruto da videira, até aquele dia em que hei de beber denovo no Reino de Deus."
Abençoa o momento de alta majestade.
Eles, sem o desejarem, tristes, revivem pela mente, os instantes inapagáveis da Galiléia longínqua na distância e próxima na memória... Aquele entardecer de fogo e de beleza servia de moldura para o Pastor chamar, atender e reunir as ovelhas,
-"Fazei isto em memória de mim."
O canto está culminando. Os últimos acordes da sinfonia que chega ao grande final estrugem em sons elevados...
Era mês de Nissan (abril), quinta-feira, 13 ou 14, pouco importa a exatidão da data, quando se realizou a comunhão pascal.
Os olhos estão pejados de lágrimas, túmidos os peitos de ansiedade e inquietação.
Levantaram-se e seguiram para o Getsêmani..
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